Panorama Geral
A
nossa vontade, individualmente, tem o poder de instituir resultados, ou de
gerar efeitos jurídicos. Então, nas palavras do Caio Mário, “a manifestação
volitiva humana, com o nome genérico de ato jurídico, enquadra-se entre as
fontes criadoras de direitos”. A noção de “ato jurídico lato sensu” abrange as
ações humanas: tanto as que são meramente obedientes à ordem constituída, como
aquelas outras declarações de vontades, polarizadas no sentido de uma
finalidade, capazes de produzir efeitos jurídicos desejados. A essa segunda
categoria – constituída de uma declaração de vontade dirigida no sentido da
obtenção de um resultado – denomina-se negócio
jurídico.
O negócio
jurídico, então, deve ser compreendido como uma espécie dentro do gênero ‘ato jurídico’. Elaborado pela doutrina
alemã, o referido conceito, tido pelos escritores alemães como um dos mais
importantes da ciência moderna do direito, assenta-se fundamentalmente na
vontade que atua em conformidade com os preceitos ditados pela ordem legal. Nessa
esteira, importa ressaltar que “todo negócio jurídico se origina de uma emissão
de vontade, mas nem toda declaração de vontade constitui um negócio jurídico”.
Por fim,
adotemos a seguinte definição, que se encontra de acordo com o código civil
2002: “é toda declaração de vontade,
emitida de acordo com o ordenamento legal, e geradora de efeitos jurídicos
pretendidos”. Nesse sentido, há no
negócio jurídico uma convergência da atuação da vontade e do ordenamento
jurídico. Podemos dizer que a vontade desfecha o negócio jurídico no rumo dos
efeitos queridos, mas tem de suportar o agente as consequências ligadas pelo
ordenamento jurídico.
IMPORTANTE! Negócio Jurídico Vs. Ato
Jurídico stricto sensu – Enquanto os negócios jurídicos são manifestações de
vontade destinadas à produção de efeitos jurídicos almejados pelo agente, os
atos jurídicos stricto sensu são manifestações de vontade obedientes à lei,
porém geradoras de efeitos que nascem da própria lei. Entre os atos lícitos,
então, se encontram os atos que não são negócios jurídicos (atos jurídicos
lícitos ou atos jurídicos stricto sensu), e os negócios jurídicos.
Obs.: Os requisitos de validade, as
modalidades, os defeitos, e a teoria das nulidades, construídas em torno do
negócio jurídico, aplicam-se aos atos jurídicos em geral. – Ver artigo 185 do Código Civil.
Objetivo Dos Negócios Jurídicos
No que diz
respeito ao objetivo, ao fim, do negócio jurídico, destacam-se os momentos
fundamentais da vida do direto subjetivo, relativamente ao agente: a aquisição,
modificação ou extensão de direitos. Acrescenta-se, ainda, a conservação do
direito como finalidade do ato negocial. Este último ponto é controvertido,
visto que há escritores que não admitem que o negócio jurídico possa visar tão
somente o resguardo do direito, mas é certo que muitas vezes uma declaração de
vontade se limita a manter o direito, tal como preexistente, sem qualquer
alteração, e nem por isso seria razoável recusar-lhe a característica do
negócio jurídico.
A Vontade
Autonomia da
vontade é o princípio pelo qual se reconhece à vontade o poder criador de
efeitos jurídicos. O indivíduo é livre
de, pela declaração de sua própria vontade, em conformidade com a lei, criar
direitos e contrair obrigações.
Obs.: Destaca-se que, “por amor à regra
da convivência social, este princípio da autonomia da vontade subordina-se às
imposições da ordem pública, que tem primazia, de tal forma que todo reforço da
ordem pública implica restrições na autonomia da vontade”.
Há grande
variedade de formas para a manifestação da vontade:
1)
Manifestação expressa da vontade à Declaração pela
palavra falada ou escrita, ou por gestos ou sinais.
2)
Manifestação tácita da vontade à É aquela que resulta
de um comportamento do agente, traduzindo a exteriorização por uma dada
atitude.
Para o ordenamento, tem
eficácia a manifestação tácita de vontade tanto quanto a expressa, salvo nos
casos em que a lei exige essa última forma. Muitas vezes, ainda, é o próprio
direito positivo que traduz em emissão volitiva um determinado comportamento.
Assim é que se interpretam como aceitação da herança os atos de uma pessoa,
compatíveis com a qualidade hereditária.
E o
silêncio? – Ver artigos 111, e 539 CC. Neste ponto, cabe indagar se o silêncio pode ser
compreendido como manifestação de vontade, e, pois, gerador de ato negocial. A
resposta é SIM. Por via de regra, o silêncio é a ausência de manifestação de
vontade, e, como tal, não produz efeitos. Mas, em determinadas circunstâncias,
o silêncio pode significar um comportamento, e, consequentemente, produzir
efeitos jurídicos. Neste caso, deverá ser interpretado como anuência à
declaração de vontade. Ao juiz caberá, em cada caso, apreciar a validade do
silêncio como expressão volitiva de quem se cala.
Declaração
receptícia Vs. Declaração não receptícia
Declaração receptícia de vontade é a que foi
endereçada e se destina a ser recebida por pessoa determinada (sempre que ela
for dirigida determinadamente a alguém). Assim, para que se complete, o ato
exige uma parte e outra parte, com sentido direcional. Estão nesses casos a
proposta de contrato, a revogação do mandato, etc. Mas, outras vezes, a emissão
se faz sem aquele caráter, e mesmo assim o negócio jurídico se completa,
dizendo-se então que há uma declaração não
receptícia de vontade. São exemplos:
testamento, revogação de testamento, promessa ao público, etc. Nestes, o
negócio jurídico se completa com a só vontade do declarante, não sendo
necessário que seja endereçada ou recebida por alguém.
Requisitos De Validade Do Negócio Jurídico
Para que
receba do ordenamento jurídico reconhecimento pleno, e produza todos os
efeitos, é mister que o negócio jurídico se revista de certos requisitos que
dizem respeito à pessoa do agente, ao objeto da relação e à forma da emissão de
vontade. Nesse sentido, a validade do Negócio Jurídico requer agente capaz,
objeto lícito, possível, determinado ou determinável, e forma adequada. – Ver artigo 104 do CC.
Condições
Subjetivas
Devemos
salientar que a capacidade do agente é indispensável à sua perfeita
participação no mundo jurídico. O código civil, nos artigos 3º e 4º, define
quais são as pessoas absolutas e relativamente incapazes, além de alicerçar a
teoria geral das capacidades de agir.
Lembremos
que: os absolutamente incapazes não podem praticar nenhum negócio válido, e
são representados, naquilo em que têm interesse, pelos pais, tutores, ou
curadores – conforme sejam menores sob poder familiar, menores sob tutela, ou
interditos. Os relativamente incapazes, participando pessoalmente dos negócios
jurídicos, recebem assistência das pessoas que a lei determinar, a não ser
naquelas hipóteses em que a ordem legal expressamente lhes reconhece a
faculdade de ação independente de tal proteção.
Além das
incapacidades genéricas a lei prevê, ainda, motivos específicos que fazem com
que o agente, sem a quebra de sua capacidade civil, fique impedido de alguns
atos. Designa esses casos de “impedimentos” ou “incapacidades especiais”. É,
então, a restrição que a lei impõe a uma pessoa, em dadas circunstâncias,
quanto à realização de certos atos. O requisito subjetivo de validade do
negócio jurídico envolve, pois, além da capacidade geral para a vida civil, a
ausência de impedimento ou de restrição para o negócio em foco: é necessário,
portanto, que o agente, além de capaz, não sofra ainda diminuição instituída
especificamente para o caso. Quando a lei diz que o tutor não pode, mesmo em
hasta pública, adquirir bens do pupilo, cria um impedimento que não importa em
incapacidade geral.
Condições objetivas
O objeto há
de ser lícito. A iliceidade do
objeto ora conduz à invalidade do negócio, ora vai além, e impõe ao agente uma
penalidade maior. Ou seja, no mínimo, se o objeto for ilícito, o negócio vai
ser inválido.
O objeto há
de ser possível.
A impossibilidade
absoluta se define quando a prestação for irrealizável por qualquer pessoa
ou insuscetível de determinação.
É relativa a impossibilidade quando a
prestação é realizável por outro que não seja o devedor, ou quando não é
determinada, porém determinável. A
impossibilidade relativa, então, não constitui obstáculo ao negócio jurídico.
A impossibilidade
simultânea ao nascimento do negócio
jurídico não prejudica, se vem a cessar antes de realizada a condição. Ou seja,
se o objeto se tornar, depois, possível.
A impossibilidade
superveniente não anula o ato, mas poderá conduzir à sua resolução,
sujeitando o devedor a perdas e danos, se estiver de má-fé.
A forma do negócio jurídico
É o terceiro elemento imposto para a validade do
negócio jurídico. Como declaração de vontade, o ato negocial se processa em
dois momentos: um interno, e outro externo. A mente delibera, e depois exterioriza
a sua deliberação. Nesse sentido, a forma
do negócio jurídico é o meio técnico que o direito institui, para a
exteriorização da vontade. O ordenamento considera a forma do negócio
jurídico em dois sentidos:
1) É a própria manifestação de vontade, expressão exterior
da elaboração psíquica.
2)
É
o conjunto de requisitos materiais ou extrínsecos, de que a lei entende deva o
ato negocial se revestir para ter validade ou para ser apurada a sua
existência.
Por conta disto, dividem-se os atos em:
Solenes ou formais à São os que obrigatoriamente tem que se revestir de uma determinada forma, sob pena de não serem válidos.
Não solenes ou consensuais à Aqueles para cuja validade é indiferente o veículo de
que se utiliza o agente para a declaração de vontade.
Na
história, a tendência tem sido da sacramentalidade, ou seja, da solenidade, do
“culto à forma” para o consensualismo, isto é, a libertação cada vez maior do
negócio, relativamente às solenidades envolventes, o que não significa que o
direito moderno se tenha delas desprendido totalmente. Ao contrário, umas vezes
por amor à tradição, outras por necessidade imposta por desejo de segurança e
de publicidade do tráfego jurídico, o direito moderno consagra a existência
formal, mesmo já tendo havido, quanto a isso, uma evolução.
*Princípio da forma livre
O
direito brasileiro, como a generalidade dos direitos modernos é inspirado pelo
princípio da forma livre, segundo o qual a validade da declaração de vontade só
dependerá de forma determinada quando a lei expressamente o exigir – Ver artigo 107 CC.
REGRA GERAL: forma livre à qualquer que seja a forma, a emissão de vontade, em
princípio, é dotada de poder criador ou de força jurígena. Pode ser por gestos,
fala, escrito, ou silêncio.
EXCEÇÃO: forma
especial à a
inobservância da solenidade pelo agente terá como consequência a ineficácia do
negócio, a não ser que a lei comine sanção diferente. A forma especial pode ser
tanto o instrumento público, como o privado. Às vezes a lei exige que o negócio
revista certas formalidades e até certos rituais, sem impor a forma de
instrumento lavrado por notário público. Outras vezes, a forma especial se
confunde com o instrumento público. Em outros casos, ainda, prescreve um
complexo de exigências, deixando livre a escolha do instrumento público ou
particular (testamento).
Obs1: A forma pública, acima citada, pode resultar da
vontade das partes (forma convencional), ou de imposição legal (forma legal).
Ou seja, se as partes tiverem ajustado que o negócio não vale sem que revista a
forma pública, esta passa a ser da substância do negócio. – ver art. 109 CC. Deriva
do princípio da autonomia da vontade a faculdade de integrar no negócio a
solenidade.
Obs2: Quando é a lei que exige, para certos atos, forma
especial integrativa ou substancial, não é possível às partes utilizarem-se de
outra. Exs.: art. 1653 CC, art. 108 CC. Em qualquer dessas
hipóteses, a emissão de vontade se vincula à forma, e não pode ser realizada
diferentemente: a vontade, por si só e independentemente da vestimenta
exterior, é inoperante para a produção válida do efeito desejado. Nestes casos,
a forma é estabelecida ad substantiam
(para a substância do ato) ou ad
solemnitatem (ou para o cumprimento de uma formalidade). O efeito de sua
inobservância é a nulidade do ato, salvo prescrição expressa de outra sanção.
Quando, porém, o negócio principal é válido e uma estipulação acessória ou desnecessária
deixa de revestir a forma prescrita em lei, seu efeito não contamina o primeiro
– Ver art. 184 CC.
Ad
solemnitatem Vs. Ad probationem
“O rigor da lei no tocante ao requisito formal
gradua-se em atenção ao motivo que inspirou o legislador”.
Às vezes, o rigor da lei é reclamado ad solemnitatem,
e, nesse caso, diz-se que ele “predomina sobre o fundo”. Significa que o
requisito formal domina o conteúdo do negócio jurídico, criando a integração
deste com aquele, de forma indissolúvel. Ou seja: nesses casos, não vai ter
nenhum valor a vontade que não é revestida pela forma de emissão imposta pelo
ordenamento jurídico. São todas as hipóteses em que o negócio jurídico é nulo
quando desvestido da forma. Ex.: testamento,
transmissão de bens imóveis, etc.
Pode acontecer, entretanto, que a forma se institua
apenas como veículo probatório – ad probationem
– e então a declaração da vontade existe e é válida, mas a produção de seus
efeitos pode vir a depender do requisito formal. Ou seja, ela é eficaz, mas
como a comprovação do negócio está na dependência da forma, ficará sem consequências.
Ex.: art. 401, CC.
IMPORTANTE! Casos há, ainda, em que o formalismo assume feição
diferente, condizendo com a necessidade de divulgação do negócio para
conhecimento de terceiras pessoas que nele não tomaram parte. É o chamado formalismo de publicidade, que não alcança a celebração do negócio, porém diz
respeito à técnica de sua publicação. Não atinge, portanto, a validade do negócio,
mas afeta a oponibilidade a quem dele não tenha participado. São os casos em
que o legislador submete o negócio jurídico a condições de publicidade, através
do sistema dos registros públicos.
“O negócio jurídico deve, pois, em resumo, conter
requisitos sem os quais não prevalece. São eles chamados elementos essenciais,
porque sua presença é fundamental. Afora eles, outros podem surgir
eventualmente, os quais, por sua natureza, alinham-se como elementos
acidentais, não determinados pela lei, mas introduzidos pela vontade das
partes, com o objetivo de modificar o tipo abstrato de negócio jurídico, a
compor a espécie concreta”.
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