quarta-feira, 15 de abril de 2015

NEGÓCIO JURÍDICO

Panorama Geral

                A nossa vontade, individualmente, tem o poder de instituir resultados, ou de gerar efeitos jurídicos. Então, nas palavras do Caio Mário, “a manifestação volitiva humana, com o nome genérico de ato jurídico, enquadra-se entre as fontes criadoras de direitos”. A noção de “ato jurídico lato sensu” abrange as ações humanas: tanto as que são meramente obedientes à ordem constituída, como aquelas outras declarações de vontades, polarizadas no sentido de uma finalidade, capazes de produzir efeitos jurídicos desejados. A essa segunda categoria – constituída de uma declaração de vontade dirigida no sentido da obtenção de um resultado – denomina-se negócio jurídico.

O negócio jurídico, então, deve ser compreendido como uma espécie dentro do gênero ‘ato jurídico’. Elaborado pela doutrina alemã, o referido conceito, tido pelos escritores alemães como um dos mais importantes da ciência moderna do direito, assenta-se fundamentalmente na vontade que atua em conformidade com os preceitos ditados pela ordem legal. Nessa esteira, importa ressaltar que “todo negócio jurídico se origina de uma emissão de vontade, mas nem toda declaração de vontade constitui um negócio jurídico”.                

Por fim, adotemos a seguinte definição, que se encontra de acordo com o código civil 2002: “é toda declaração de vontade, emitida de acordo com o ordenamento legal, e geradora de efeitos jurídicos pretendidos”.  Nesse sentido, há no negócio jurídico uma convergência da atuação da vontade e do ordenamento jurídico. Podemos dizer que a vontade desfecha o negócio jurídico no rumo dos efeitos queridos, mas tem de suportar o agente as consequências ligadas pelo ordenamento jurídico.

IMPORTANTE! Negócio Jurídico Vs. Ato Jurídico stricto sensu – Enquanto os negócios jurídicos são manifestações de vontade destinadas à produção de efeitos jurídicos almejados pelo agente, os atos jurídicos stricto sensu são manifestações de vontade obedientes à lei, porém geradoras de efeitos que nascem da própria lei. Entre os atos lícitos, então, se encontram os atos que não são negócios jurídicos (atos jurídicos lícitos ou atos jurídicos stricto sensu), e os negócios jurídicos.
                Obs.: Os requisitos de validade, as modalidades, os defeitos, e a teoria das nulidades, construídas em torno do negócio jurídico, aplicam-se aos atos jurídicos em geral. – Ver artigo 185 do Código Civil.

Objetivo Dos Negócios Jurídicos

No que diz respeito ao objetivo, ao fim, do negócio jurídico, destacam-se os momentos fundamentais da vida do direto subjetivo, relativamente ao agente: a aquisição, modificação ou extensão de direitos. Acrescenta-se, ainda, a conservação do direito como finalidade do ato negocial. Este último ponto é controvertido, visto que há escritores que não admitem que o negócio jurídico possa visar tão somente o resguardo do direito, mas é certo que muitas vezes uma declaração de vontade se limita a manter o direito, tal como preexistente, sem qualquer alteração, e nem por isso seria razoável recusar-lhe a característica do negócio jurídico.

A Vontade   

Autonomia da vontade é o princípio pelo qual se reconhece à vontade o poder criador de efeitos jurídicos.  O indivíduo é livre de, pela declaração de sua própria vontade, em conformidade com a lei, criar direitos e contrair obrigações.
Obs.: Destaca-se que, “por amor à regra da convivência social, este princípio da autonomia da vontade subordina-se às imposições da ordem pública, que tem primazia, de tal forma que todo reforço da ordem pública implica restrições na autonomia da vontade”.

Há grande variedade de formas para a manifestação da vontade:
1)      Manifestação expressa da vontade à Declaração pela palavra falada ou escrita, ou por gestos ou sinais.
2)     Manifestação tácita da vontade à É aquela que resulta de um comportamento do agente, traduzindo a exteriorização por uma dada atitude.

Para o ordenamento, tem eficácia a manifestação tácita de vontade tanto quanto a expressa, salvo nos casos em que a lei exige essa última forma. Muitas vezes, ainda, é o próprio direito positivo que traduz em emissão volitiva um determinado comportamento. Assim é que se interpretam como aceitação da herança os atos de uma pessoa, compatíveis com a qualidade hereditária.

E o silêncio? – Ver artigos 111, e 539 CC. Neste ponto, cabe indagar se o silêncio pode ser compreendido como manifestação de vontade, e, pois, gerador de ato negocial. A resposta é SIM. Por via de regra, o silêncio é a ausência de manifestação de vontade, e, como tal, não produz efeitos. Mas, em determinadas circunstâncias, o silêncio pode significar um comportamento, e, consequentemente, produzir efeitos jurídicos. Neste caso, deverá ser interpretado como anuência à declaração de vontade. Ao juiz caberá, em cada caso, apreciar a validade do silêncio como expressão volitiva de quem se cala.

Declaração receptícia Vs. Declaração não receptícia

Declaração receptícia de vontade é a que foi endereçada e se destina a ser recebida por pessoa determinada (sempre que ela for dirigida determinadamente a alguém). Assim, para que se complete, o ato exige uma parte e outra parte, com sentido direcional. Estão nesses casos a proposta de contrato, a revogação do mandato, etc. Mas, outras vezes, a emissão se faz sem aquele caráter, e mesmo assim o negócio jurídico se completa, dizendo-se então que há uma declaração não receptícia de vontade. São exemplos: testamento, revogação de testamento, promessa ao público, etc. Nestes, o negócio jurídico se completa com a só vontade do declarante, não sendo necessário que seja endereçada ou recebida por alguém.

Requisitos De Validade Do Negócio Jurídico

Para que receba do ordenamento jurídico reconhecimento pleno, e produza todos os efeitos, é mister que o negócio jurídico se revista de certos requisitos que dizem respeito à pessoa do agente, ao objeto da relação e à forma da emissão de vontade. Nesse sentido, a validade do Negócio Jurídico requer agente capaz, objeto lícito, possível, determinado ou determinável, e forma adequada.  – Ver artigo 104 do CC.

Condições Subjetivas

Devemos salientar que a capacidade do agente é indispensável à sua perfeita participação no mundo jurídico. O código civil, nos artigos 3º e 4º, define quais são as pessoas absolutas e relativamente incapazes, além de alicerçar a teoria geral das capacidades de agir.

Lembremos que: os absolutamente incapazes não podem praticar nenhum negócio válido, e são representados, naquilo em que têm interesse, pelos pais, tutores, ou curadores – conforme sejam menores sob poder familiar, menores sob tutela, ou interditos. Os relativamente incapazes, participando pessoalmente dos negócios jurídicos, recebem assistência das pessoas que a lei determinar, a não ser naquelas hipóteses em que a ordem legal expressamente lhes reconhece a faculdade de ação independente de tal proteção.

Além das incapacidades genéricas a lei prevê, ainda, motivos específicos que fazem com que o agente, sem a quebra de sua capacidade civil, fique impedido de alguns atos. Designa esses casos de “impedimentos” ou “incapacidades especiais”. É, então, a restrição que a lei impõe a uma pessoa, em dadas circunstâncias, quanto à realização de certos atos. O requisito subjetivo de validade do negócio jurídico envolve, pois, além da capacidade geral para a vida civil, a ausência de impedimento ou de restrição para o negócio em foco: é necessário, portanto, que o agente, além de capaz, não sofra ainda diminuição instituída especificamente para o caso. Quando a lei diz que o tutor não pode, mesmo em hasta pública, adquirir bens do pupilo, cria um impedimento que não importa em incapacidade geral.

Condições objetivas

O objeto há de ser lícito. A iliceidade do objeto ora conduz à invalidade do negócio, ora vai além, e impõe ao agente uma penalidade maior. Ou seja, no mínimo, se o objeto for ilícito, o negócio vai ser inválido.

O objeto há de ser possível.
 
      A impossibilidade absoluta se define quando a prestação for irrealizável por qualquer pessoa ou insuscetível de determinação.
   É relativa a impossibilidade quando a prestação é realizável por outro que não seja o devedor, ou quando não é determinada, porém determinável. A impossibilidade relativa, então, não constitui obstáculo ao negócio jurídico.
   A impossibilidade simultânea ao nascimento do negócio jurídico não prejudica, se vem a cessar antes de realizada a condição. Ou seja, se o objeto se tornar, depois, possível.
    A impossibilidade superveniente não anula o ato, mas poderá conduzir à sua resolução, sujeitando o devedor a perdas e danos, se estiver de má-fé.


A forma do negócio jurídico

É o terceiro elemento imposto para a validade do negócio jurídico. Como declaração de vontade, o ato negocial se processa em dois momentos: um interno, e outro externo. A mente delibera, e depois exterioriza a sua deliberação. Nesse sentido, a forma do negócio jurídico é o meio técnico que o direito institui, para a exteriorização da vontade. O ordenamento considera a forma do negócio jurídico em dois sentidos:

1)      É a própria manifestação de vontade, expressão exterior da elaboração psíquica.
2)      É o conjunto de requisitos materiais ou extrínsecos, de que a lei entende deva o ato negocial se revestir para ter validade ou para ser apurada a sua existência.

Por conta disto, dividem-se os atos em:

           Solenes ou formais à São os que obrigatoriamente tem que se revestir de uma determinada forma, sob pena de não serem válidos.
          Não solenes ou consensuais à Aqueles para cuja validade é indiferente o veículo de que se utiliza o agente para a declaração de vontade.
           
  Na história, a tendência tem sido da sacramentalidade, ou seja, da solenidade, do “culto à forma” para o consensualismo, isto é, a libertação cada vez maior do negócio, relativamente às solenidades envolventes, o que não significa que o direito moderno se tenha delas desprendido totalmente. Ao contrário, umas vezes por amor à tradição, outras por necessidade imposta por desejo de segurança e de publicidade do tráfego jurídico, o direito moderno consagra a existência formal, mesmo já tendo havido, quanto a isso, uma evolução.

*Princípio da forma livre
             
O direito brasileiro, como a generalidade dos direitos modernos é inspirado pelo princípio da forma livre, segundo o qual a validade da declaração de vontade só dependerá de forma determinada quando a lei expressamente o exigir – Ver artigo 107 CC.
            
REGRA GERAL: forma livre à qualquer que seja a forma, a emissão de vontade, em princípio, é dotada de poder criador ou de força jurígena. Pode ser por gestos, fala, escrito, ou silêncio.
            
EXCEÇÃO: forma especial à a inobservância da solenidade pelo agente terá como consequência a ineficácia do negócio, a não ser que a lei comine sanção diferente. A forma especial pode ser tanto o instrumento público, como o privado. Às vezes a lei exige que o negócio revista certas formalidades e até certos rituais, sem impor a forma de instrumento lavrado por notário público. Outras vezes, a forma especial se confunde com o instrumento público. Em outros casos, ainda, prescreve um complexo de exigências, deixando livre a escolha do instrumento público ou particular (testamento).
             
           Obs1: A forma pública, acima citada, pode resultar da vontade das partes (forma convencional), ou de imposição legal (forma legal). Ou seja, se as partes tiverem ajustado que o negócio não vale sem que revista a forma pública, esta passa a ser da substância do negócio. – ver art. 109 CC. Deriva do princípio da autonomia da vontade a faculdade de integrar no negócio a solenidade.

Obs2: Quando é a lei que exige, para certos atos, forma especial integrativa ou substancial, não é possível às partes utilizarem-se de outra. Exs.: art. 1653 CC, art. 108 CC. Em qualquer dessas hipóteses, a emissão de vontade se vincula à forma, e não pode ser realizada diferentemente: a vontade, por si só e independentemente da vestimenta exterior, é inoperante para a produção válida do efeito desejado. Nestes casos, a forma é estabelecida ad substantiam (para a substância do ato) ou ad solemnitatem (ou para o cumprimento de uma formalidade). O efeito de sua inobservância é a nulidade do ato, salvo prescrição expressa de outra sanção. Quando, porém, o negócio principal é válido e uma estipulação acessória ou desnecessária deixa de revestir a forma prescrita em lei, seu efeito não contamina o primeiro – Ver art. 184 CC.


Ad solemnitatem Vs. Ad probationem

“O rigor da lei no tocante ao requisito formal gradua-se em atenção ao motivo que inspirou o legislador”.

Às vezes, o rigor da lei é reclamado ad solemnitatem, e, nesse caso, diz-se que ele “predomina sobre o fundo”. Significa que o requisito formal domina o conteúdo do negócio jurídico, criando a integração deste com aquele, de forma indissolúvel. Ou seja: nesses casos, não vai ter nenhum valor a vontade que não é revestida pela forma de emissão imposta pelo ordenamento jurídico. São todas as hipóteses em que o negócio jurídico é nulo quando desvestido da forma. Ex.: testamento, transmissão de bens imóveis, etc.

Pode acontecer, entretanto, que a forma se institua apenas como veículo probatório – ad probationem – e então a declaração da vontade existe e é válida, mas a produção de seus efeitos pode vir a depender do requisito formal. Ou seja, ela é eficaz, mas como a comprovação do negócio está na dependência da forma, ficará sem consequências. Ex.: art. 401, CC.

IMPORTANTE! Casos há, ainda, em que o formalismo assume feição diferente, condizendo com a necessidade de divulgação do negócio para conhecimento de terceiras pessoas que nele não tomaram parte. É o chamado formalismo de publicidade, que não alcança a celebração do negócio, porém diz respeito à técnica de sua publicação. Não atinge, portanto, a validade do negócio, mas afeta a oponibilidade a quem dele não tenha participado. São os casos em que o legislador submete o negócio jurídico a condições de publicidade, através do sistema dos registros públicos.


“O negócio jurídico deve, pois, em resumo, conter requisitos sem os quais não prevalece. São eles chamados elementos essenciais, porque sua presença é fundamental. Afora eles, outros podem surgir eventualmente, os quais, por sua natureza, alinham-se como elementos acidentais, não determinados pela lei, mas introduzidos pela vontade das partes, com o objetivo de modificar o tipo abstrato de negócio jurídico, a compor a espécie concreta”.

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