sexta-feira, 3 de abril de 2015

    Supremacia Constitucional

            A Constituição no ápice do ordenamento jurídico



  Dois fundamentos principais:

1)      Fundamento substantivo à Trata-se aqui do conteúdo constitucional que a coloca nesta posição de ápice no ordenamento.

 à Neste sentido, a Constituição tem dois conteúdos básicos:

a)      Organização do Estado à A Constituição fala de como o Estado vai se organizar, de modo a até mesmo limitar seu poder, visto que para que se limite o poder do Estado, primeiro tem-se que dizer o que ele pode fazer. Tradicionalmente, destina-se a dizer quais são os poderes, como se dá a competência entre eles, quais as funções de cada um deles.
Ex.: Criação de um sistema federalista para que as diversas unidades da federação possam se contrapor umas às outras; criação de sistemas bicamerais para limitar o poder das maiorias.
b)      Direitos Fundamentais à Passa a ter relevância sobretudo após o segundo pós-guerra. São direitos que devem estar a salvo das maiorias ocasionais, visando a proteção do indivíduo e da sociedade. Tratam-se de direitos e garantias individuais direitos básicos à liberdade do individuo face ao Estado) e direitos sociais.

Obs.: Para proporcionar tal proteção, as constituições são dotadas de certa rigidez.
       
à Algumas teorias explicam a supremacia da constituição a partir de sua própria origem, a partir da própria criação das normas constitucionais. A primeira delas é a teoria dos pré-compromissos, que tenta explicar o porquê de uma sociedade decidir criar uma Constituição e se autolimitar. Para tanto, tal teoria se baseia na Odisseia de Ulisses e as sereias, segundo a qual, Ulisses, em um momento de sobriedade, solicita que o amarrem no navio, para que ele não fosse seduzido pelo canto das sereias. Assim, ele deseja ser amarrado enquanto está consciente, para que em um momento de inconsciência, não tome, por conta própria, uma atitude errada, que levaria ao sacrifício de sua própria vida. Há também, em um mesmo sentido, a analogia com a história do Pedro sóbrio e do Pedro bêbado, de Friedrich Hayek: Pedro, ao ir a uma festa, entrega a chave do carro a um amigo, e pede para que, caso Pedro bebesse, seu amigo não devolvesse a chave nem mesmo se ele mesmo solicitasse.
Conclusão: Trata-se de um momento sóbrio de deliberação do povo (momento de um sentimento constitucional), em que o poder constituinte vai dizer quais as normas que não devem ser ultrapassadas nem por comandos posteriores. As maiorias legislativas não poderiam passar por cima desses pré-compromissos. à Mecanismos de auto-limitação adotados pelo povo para se proteger de suas paixões e fraquezas.

à Críticas à teoria dos pré-compromissos:
a)      Risco: o governo dos mortos sobre os vivos. A constituição foi elaborada por uma geração diferente da nossa. O que dá a ela poder de decidir o que é melhor para nós? Este problema, todavia, não é de tão difícil solução visto que a constituição pode ser alterada, e o seu núcleo é de proteção aos direitos fundamentais e a organização do Estado.
b)     Não necessariamente uma norma que eu entrincheirei na constituição é uma norma que traz direitos; ela pode ser uma norma, por exemplo, que coloca privilégios para um determinado grupo.

à Tensão entre constitucionalismo (proteção de direitos) e democracia (regra da maioria): Essa tensão advém de o constitucionalismo impor limites à atuação das maiorias, e a democracia estar ligada ao poder de as maiorias deliberarem. Atualmente, todavia, os teóricos que pensam sobre o significado da Constituição dizem que democracia não envolve apenas a regra da maioria, mas tem que compor os direitos das minorias a serem garantidos.

à “Reserva de justiça” constitucional: Para Oscar Vilhena, a tensão acima citada não existe quando se trata direitos e liberdades, dessas garantias da Constituição que constituem a chamada reserva de justiça e que, normalmente, são garantidos pelas cláusulas pétreas (que visam assegurar a permanência da reserva de justiça).

2)      Fundamento objetivo – origem da constituição: Nos remete à ideia de Poder Constituinte. Neste ponto, o poder constituinte é o povo. É o poder ilimitado, incondicionado, total, que funda ou refunda um Estado.

à Constituição como produto do poder constituinte, resultado de uma intensa mobilização cívica em momentos extraordinários.

àPoder Constituinte: Poder de criar a Constituição e fundar ou refundar o Estado (ordem jurídica)

à Democracia dualista (Ackerman): É a ideia de que as pessoas, no dia-a-dia, não vão ficar prestando tanta atenção na política, vão se limitar aos seus afazeres, mas que há alguns momentos especiais, os “momentos constitucionais”, em que há uma intensa mobilização na sociedade por uma determinada mudança e essa ocasião excepcional de mobilização cívica dá a possibilidade de que o povo delibere uma nova Constituição, novas regras constitucionais.


v  Dois mecanismos que garantem essa democracia:
Obs.: Sob outro ponto de vista, pode-se dizer que a Constituição detém uma hierarquia porque esses dois mecanismos existem.

1)      Rigidez da constituição: Exigência de procedimento para alteração da Constituição mais rígido do que aquele exigido para elaboração das normas infraconstitucionais. à É necessário um quórum mais elevado, de modo a fazer com que uma maioria ocasional no congresso não possa aprovar uma lei que revogue ou declare nulo algum dispositivo constitucional.

Obs1: Nem todas as Constituições do mundo são rígidas, há as Constituições flexíveis (é possível mudar suas normas pelo menos procedimento que se muda a legislação ordinária); há as semirrígidas (ocorre quando a Constituição prevê algumas normas para serem alteradas com quórum elevado, e algumas para serem mudadas de forma ordinária); e as super-rígidas (as que têm cláusulas pétreas, inalteráveis).

Obs2A Constituição Brasileira tem uma série de Emendas, que de certa forma põe em cheque sua rigidez. Todavia, este fato não significou na prática a alteração do núcleo da nossa Constituição, visto que por regular muitos assuntos além daqueles materialmente constitucionais, a Constituição fica sujeita a mais alterações, uma vez que conteúdos meramente formalmente constitucional atingem quórum qualificado para alteração. Os materialmente constitucionais, contudo, têm sido preservados.

2)      Controle de Constitucionalidade à invalidade dos atos normativos que contrariem a Constituição

v  Modelos existentes:
a)      EUA à A Suprema Corte, em 1803, decidiu que, apesar de o Controle de Constitucionalidade não constar em sua constituição, ele decorreria da própria ideia de supremacia constitucional.


b)      Modelo Inglês à Até hoje não possui uma constituição escrita, logo, há algumas normas esparsas e não há um controle efetivo de constitucionalidade.

c)      Modelo Francês à Por muito tempo, o Controle de constitucionalidade foi preventivo e político, feito durante o processo legislativo. Muito recentemente a França passou a ter controle de constitucionalidade repressivo, chamado por eles de “questão prioritária de constitucionalidade”.

Obs1: Decorre do medo histórico que a França tem do judiciário por entender que eles pleiteavam os interesses da nobreza e do clero.
Obs2: O modelo francês deixou de ser adotado na maior parte dos países do mundo, na Europa, após a 2ª Guerra Mundial, visto que o Nazismo provou que não era eficaz confiar apenas no parlamento para proteger direitos fundamentais.

                Algumas Transformações do Direito Constitucional nas últimas décadas

1)      A Constituição como Norma

à A Constituição não tinha força normativa, ou seja, suas normas, na maioria das vezes, não eram tidas como autoaplicáveis, sendo esta considerada apenas uma proclamação retórica. Isto significava que, na prática, era impossível alguém invocar a Constituição para, por exemplo, ter acesso a um medicamento através do judiciário.
à “A Doutrina Brasileira da Efetividade”: Foi o movimento que modificou a situação acima tratada. Esta doutrina foi capitaneada pelo Min Barroso que escreveu a obra clássica “O direito constitucional e a efetividade de suas normas”. A ideia era usar o positivismo, de certa forma, a favor da população, para que a Constituição fosse vista como norma efetiva, ou seja, os cidadãos poderiam extrair direitos subjetivos para exigir que esses direitos fundamentais e garantias fossem efetivadas, ou obtê-las do poder público. Permite ao judiciário agir para fazer valer esta norma.
à 3 mudanças de paradigma (Barroso):
a)      Plano Jurídico: atribuição de normatividade pela à Constituição à A constituição se torna fonte de direitos independentemente da intermediação do legislador. Costumava ser tarefa do legislador positivar os direitos na lei ordinária para que, então, eles pudessem se tornar invocáveis perante o judiciário, exigíveis ao poder público. Nesse sentido, a ideia da Doutrina da Efetividade (ou da Constituição como norma) era atribuir eficácia normativa à Constituição, sem a intermediação do legislador.

CASO: Nepotismo. à A Constituição prevê no art. 37 princípios da Administração Pública, dentre os quais, o Princípio da Moralidade e o Princípio da Impessoalidade. O CNJ editou uma resolução dizendo que era proibido que os membros do judiciário contratassem seus parentes para os cargos. Neste sentido, o STF decidiu que, apesar de não haver uma lei determinando que membros da Administração Pública direta ou indireta não pudessem contratar seus parentes para cargos, isso seria uma decorrência da própria Constituição, na medida em que se inseriu no art. 37 os citados princípios. Esse exemplo é um exemplo clássico de como a Constituição passa a se aplicar diretamente às relações jurídicas criando deveres e obrigações.

b)      Plano Científico à Traz a ideia de reconhecer o Direito Constitucional como uma disciplina autônoma, diferente da sociologia ou da política.

c)     Plano Institucional à Reconhecendo-se o poder normativo, há ascensão do Poder Judiciário, pois é por meio desse que as demandas pelos direitos públicos, que agora são imediatamente exigíveis pela constituição, chegam e são efetivadas

2)      A Constitucionalização do Direito

a)      Passagem da Constituição para o centro do ordenamento jurídico à Tempos atrás o que estava no centro do ordenamento jurídico, na prática, era o Código Civil, e não a Constituição. Este era invocado em todas as disputas entre particulares e entre particulares e o poder público. Com a chegada da Constituição de 88, no Brasil, esta toma o lugar de centro do ordenamento jurídico.

b)      Constituição para como vetor para a interpretação e aplicação do direito à Isto significa tornar a Constituição um vetor interpretativo para todos os ramos do Direito, ou seja, será como um “filtro” para todas as normas do ordenamento jurídico (ideia de “filtragem constitucional”, de Paulo Ricardo Schier). Toda interpretação, neste sentido, vai envolver a aplicação direta, ou indireta dos princípios constitucionais. A citada aplicação indireta significa que antes de aplicar uma determinada norma infraconstitucional, o intérprete deve fazer sua interpretação voltada aos princípios constitucionais (Constituição como moldura na qual deve ser inserida a interpretação). E ao aplica-la, verificar se esta aplicação promove os fins buscados pela Constituição.

Ex.: Financiamento de Campanhas à Alguns interpretam que a doação de pessoas jurídicas para financiar campanhas feriria a ordem constitucional, uma vez que a Constituição prevê a igualdade de voto, o princípio republicano, o princípio democrático; e, em seu artigo 14, PA 9º diz que deve se proteger a legitimidade das eleições contra o abuso do poder econômico. Esse modelo estaria fora dessa moldura que a Constituição oferece já que, ao contrário de favorecer os fins que a constituição se destina, cria um modelo promíscuo e que vai de encontro aos princípios constitucionais. Todavia, esta interpretação é criticada por se pautar em princípios vagos.

          
  Obs.: A questão tratada neste ponto traz o surgimento de uma cultura de princípios. Antes, os princípios eram usados para hipóteses em que havia lacunas na lei. Hoje, eles incidem diretamente e dirigem a própria interpretação e aplicação das normas infraconstitucionais e dos ramos do direito. 

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